PRR. “Ajuda às empresas não vai ser muito grande e será sempre indireta”

Em entrevista ao Jornal Económico (JE), o presidente da Associação Portuguesa de Logística (APLOG), fala das dificuldades de financiamento via PRR, e dos três temas estruturais que o sector precisa de ver resolvidos.

É uma análise frontal e sem rodeios aquela que Raul Magalhães traça sobre a logística em Portugal e os desafios que o sector enfrenta. Em entrevista ao Jornal Económico (JE), o presidente da Associação Portuguesa de Logística (APLOG), fala das dificuldades de financiamento via PRR, e dos três temas estruturais que o sector precisa de ver resolvidos.

Como analisa o financiamento logístico em Portugal?
O que está aqui em causa é que, supostamente, o Plano de Recuperação e Resiliência deveria ser um revitalizador do investimento, e o investimento, como nós sabemos, tem uma origem muito maioritária na iniciativa privada. Portanto, essa ajuda que as empresas industriais, retalhistas, operadores logísticos ligados aos transportes e às infraestruturas poderiam receber do PRR não o vão receber diretamente. E aqui centro-me basicamente na questão da transição energética, nos processos de descarbonização a todos os níveis, não só a nível dos transportes, mas a nível industrial e a nível logístico dos próprios armazéns, mas também de uma medida que nós temos claramente que acelerar a sua implementação, que é a rápida digitalização dos principais processos de gestão inerentes às cadeias de abastecimento. Por isso, relativamente ao financiamento, diria que a ajuda que as empresas poderiam esperar do lado do PRR não vai ser muito grande e será sempre indireta.

Fazendo um paralelismo: faz falta um pacote ‘Mais Habitação’ na logística?
Menos polémico que o ‘Mais Habitação. Na logística temos por trás deste tema do financiamento temas muito estruturais que carecem, em primeira instância, de ser resolvidos. Vou citar só três: o primeiro já é uma novela que se arrasta há 50 anos, que é a questão do aeroporto e que as pessoas desvalorizam, porque isto não é só o sítio onde entram e saem pessoas dos aviões. Há aqui um custo de inação que a economia portuguesa e algumas empresas estão a pagar. Isto mexe também com a competitividade. Estamos a falar de coisas muito sérias. O segundo tema em que estamos a protelar um pouco as decisões é o tema da ferrovia. O plano ferroviário é um pouco como o pacote da habitação. É um conjunto de ideias muito interessantes e valiosas, mas falta-lhe o sumo e conteúdo. Quando é que nós vamos concretizar? Com que priorização é que vamos trabalhar? Com que fontes e com que garantia de cumprimento de prazos? O transporte ferroviário já tem uma inércia muito própria. O terceiro tema é o terminal da Bobadela. Por efeitos da Jornada Mundial da Juventude e com o interesse também das autarquias envolvidas, que tomaram a decisão – e bem, do meu ponto de vista – de aproveitar aquele espaço que está e estará seguramente muito aprazível para a cerimónia, mas não vai ter reversão. Ou seja, depois das jornadas aquilo terá um outro destino, será um espaço público, para casas e escritórios ou seja o que for, mas nunca vai levar outra vez os contentores. Nós precisamos rapidamente de encontrar um espaço.

E para onde vai esse espaço?
Quanto mais depressa nós soubermos para onde vai aquela estrutura, tanto melhor. Se aparecer aqui um investidor estrangeiro que diga ‘eu quero fazer aqui um investimento e precisava de 50 mil ou 80 mil m2’, nós, neste momento, temos bastante dificuldade. Nós ou qualquer entidade em Portugal tem muitas dificuldades em dizer ‘olhe. eu aconselho-o a ir para o conselho X ou para o Y, ou para este parque logístico, porque vai ter aqui a melhoria das acessibilidades, vai ficar a 30km do aeroporto, a 10km do terminal logístico’. Nós hoje em dia não temos essa capacidade. Depois não se queixem que haja adiamento de investimentos, porque nós também não estamos a ajudar muito os investidores, quer os nacionais, quer os internacionais.

O ministro das Infraestruturas prevê pelo menos mais 12 anos de aeroporto na Portela.
A decisão vai ser tomada daqui a um ano. Quer dizer, nós tivemos uma decisão, precipitada ou não, há cerca de um ano ou meio ano e depois constituímos uma equipa de estudo e só daqui a 12 meses é que vamos estar em condições para fazer isso. A mudança de Figo Maduro e a redução do espaço da Força Aérea na zona de Lisboa é algo que já se fala há dez, 15 ou 20 anos. Isto não é nenhum segredo.

Como pode o país combater a questão demográfica na logística para não ficar mais longe dos principais mercados?
Corremos esse risco. Não pelo 5G em si, mas pelo relativo afastamento que a Europa está a ter no mercado do movimento de fabrico muito localizadas na China. Não é de agora, já era algo que se vinha a sentir, foi acelerado ou agravado pela pandemia, onde muitas cadeias ficaram com a noção da sua fragilidade e da sua excessiva complexidade, nomeadamente ao pessoal das cadeias da eletrónica e da área têxtil ficaram perfeitamente conscientes que tinham cadeias muito complexas e que não tinham planos de contingência para situações como aquelas que ocorreram com a pandemia. Isto depois foi agravado também pela consciência de que não estávamos livres de uma guerra na Europa como aquela que infelizmente veio a acontecer, que também colocou graves problemas não só nas cadeias alimentares, porque as pessoas falam pouco, mas a Rússia e a Ucrânia em conjunto representam 80% da produção de sulfatos e depois quando nos queixamos que as cebolas, as alfaces e as couves estão caras, é porque quem cultiva tem necessidade de ter adubos.

Como está o processo de consolidação das empresas em Portugal?
Neste momento as empresas que ainda podem ser objeto de compra ou de fusão serão as pequenas e as médias e, contudo, as pequenas ou são familiares. Portanto, aí a decisão de venda ou de fusão é muito difícil, especialmente para quem construiu a empresa. A segunda e terceira geração estará, psicologicamente, um bocadinho mais liberta para tomar decisões com alguma racionalidade económica. Quem construiu a empresa tem um lado muito mais emotivo.

Fonte: https://jornaleconomico.pt/noticias/prr-ajuda-as-empresas-nao-vai-ser-muito-grande-e-sera-sempre-indireta/